Gostou do artigo? Compartilhe!

Relato de caso: Sinal de Lhermitte em criança com lesão de Coluna Torácica

A+ A- Alterar tamanho da letra
Avalie este artigo

Relato de caso: Sinal de Lhermitte em criança com lesão de Coluna Torácica

Oliveira, LDB; Lima, MMF; Padula, NA MR;  Silva, KR; Saldivar, A; Souza, MT.

 

Introdução:

 

O sinal de Lhermitte foi inicialmente descrito como associado à Esclerose Múltipla e subseqüentemente relacionado a diversas outras lesões de coluna, predominantemente. Na literatura internacional não encontramos destaque para sua ocorrência em crianças. Descrevemos desta forma um caso clínico sugestivo de sinal de Lhermitte em criança com lesão de coluna torácica.

 

Descrição de Caso :

CED (RG-HC Unesp: 439934), 9 anos, masculino, branco, natural e procedente de Lençóis Paulista-SP.

O quadro teve início com cefaléia pulsátil, leve a moderada intensidade, holocraniana, acompanhada de fono e fotofobia que cedia com analgésico comum, evoluiu com celulite periorbitária à esquerda acompanhada de febre, tratada com antibioticoterapia.  Na seqüência, relatou dor lombar à esquerda, em pontada, de forte intensidade e com irradiação para MIE acompanhada por febre. Neste momento foi descartada a possibilidade de ITU ou nefrolitíase.

Quinze dias após retornou ao PS de sua cidade com piora da dor lombar que o incapacitava de levantar-se do leito pela manhã. A dor não ocorria se permanecesse imóvel ou quieto no leito.

Ao exame neurológico neste período apresentava como único achado limitação, por dor, da flexão cervical (meningismo). Foram realizados:  Punção lombar, TCC, Hemograma e Urina I sem alterações. A  TC de Abdômen  evidenciou,  segundo carta de encaminhamento, esplenomegalia. Havia relato de emagrecimento de  aproximadamente 3 quilos desde o início do quadro.

Com um mês de evolução foi internado na Unesp em 18/04/02 para investigação complementar, apresentando-se clinicamente, posição antálgica, em semi-flexão de coluna cervico-torácica, na intenção de evitar a mobilização da mesma. À palpação abdominal  notava-se baço à 1cm do RCE e Fígado no RCD.

Houve mudanças nas características da dor, em 28/04/2002, sendo referida como dor em agulhadas ( ou “choquinhos” ) em região lombar. Em  03/05/2002, referia que a mesma dor se irradiava para face posterior de coxa esquerda, ainda durante a internação(11/05/2002), relatava odinofagia acompanhada de dois episódios febris, sem evidências clínicas de amigdalite.

Exames complementares na internação:

Hemograma com Itano, funções hepática e renal, glicemia, dosagens de eletrólitos e enzimas musculares, proteínas totais e frações, ácido úrico, dosagem de chumbo sérico, VHS, PCR, PPD, RX de tórax, LCR com pesquisa de células neoplásicas e ENMG; que não auxiliaram no esclarecimento do diagnóstico.

A RNM de Coluna Torácica evidenciou alteração de corpos vertebrais de T11 – T12 , com hipossinal em T1 e Hipersinal em T2,  com realce após contraste. Enquanto a RNM de coluna lombo-sacra revelou redução do espaço discal posterior a nível de L5 – S1 e abaulamento discal posterior de L4 – L5  e L5 – S1.

Solicitados pareceres das seguintes clínicas: Hematologia, Oncologia, Ortopedia e Cirurgia Torácica. Em 09/05/2002 foi realizada punção de corpo vertebral, ainda em andamento. Estão em andamento também, Rx de Coluna total e de ossos longos, bem como Lavado Gástrico.

 

 

 

 

 

 

 

Discussão:

O Sinal de Lhermitte foi inicialmente descrito por Marie e Chatelin em 19173,6,15 sendo na ocasião atribuído à radiculopatia pós-traumática; em 1918 o sinal passou a ser interpretado, por Babinski e Dubois6 como sendo causado por lesão cordonal. Em 1924, melhor descrito por Lhermitte e então associado a lesão cordonal posterior em paciente com Esclerose Múltipla 3,6,15 onde seria sinal precoce da doença.

Apesar de consagrado pela literatura como sendo sinal de Lhermitte, a melhor denominação deveria ser Sintoma ou Fenômeno  de Lhermitte 1,2,4,18 ,19 ,  por  consistir em sensação súbita e, geralmente, transitória5, semelhante a choque elétrico, que se irradia, simetricamente, ao longo da coluna espinhal, da nuca até os membros,  por ocasião de flexão cervical.

São conhecidas variantes do Sinal de Lhermitte quanto a: maneira de desencadeamento do fenômeno, à rotação cervical 16  , à flexão do tronco12 , à tosse ou ao bocejo7; duração do fenômeno, que permanece por todo o tempo em que a postura desencadeante for mantida;  característica da sensação, relatada como por vezes dolorosa4; localização da sensação, exclusivamente em MMII, ou em uma delas, ou em porções especificas delas, ou  apenas nos membros superiores18 ou até mesmo na faringe;  forma de irradiação, de maneira ascendente 19.

Estando os axônios dos cordões posteriores intatos, mas com comprometimento de seu revestimento mielínico, o estiramento da medula espinhal normalmente mais intenso neste setor, resulta em maior excitabilidade, com geração  de impulsos nervosos ectópicos  e subseqüente sensação disestésica 3,12,15,17,19. Há também uma teoria que o mecanismo de desencadeamento da sensação disestésica seria relacionado a comprometimento vascular12.

O fenômeno de Lhermitte é um sinal inespecífico14,18 de acometimento da medula espinhal, classicamente em sua porção cervical, podendo ocorrer também em sua porção torácica  1,12,19; a etiologia relacionada a ele pode ter  causas diversas:  traumatismo craniano e/ou cervical4,14, Esclerose Múltipla (estando presente em cerca de  1/3 dos casos8 e  podendo ser a primeira manifestação da doença em muitos deles)11 , Hérnias discais 10,21 , Tumores medulares ( primários ou metastáticos)1,2,16,18 , Espondilose cervical1,2 , Mielopatia por radiação1,3,10, Tuberculose (Mal de Pott)1,12 , Degeneração combinada subaguda da medula espinhal por deficiência de cobalamina  ( vitamina B12) 1,2,3,6,10,13,15,20 , Mielite atópica19 , Aracnoidite1,3,6 , Mielite tóxica  (por exposição ao óxido nítrico3,8,15 , por cisplatina 8  ou por piridoxina8 ), Acidente de punção liquórica cervical lateral ou suboccipital 19 , Doença de Behcet 1,8 , Herpes zoster cervical 8 , Seringomielia 12 .

A sua presença ao exame neurológico implica na necessidade de desvendar a causa subjacente do mesmo, sendo necessária  especial atenção a história clínica e exame físico geral, no intuito de direcionar a realização de exames complementares. Vale ressaltar que um resultado normal de RNM de coluna não afasta a possibilidade de pequenas lesões não detectáveis pelos aparelhos atuais que possam justificar o quadro clínico8  .

De forma semelhante, o tratamento dependerá da alteração de base, havendo ótimos relatos de remissão do Sinal de Lhermitte com várias opções terapêuticas que vão desde o uso parenteral de cobalamina  6,13  ,passando pelo uso de carbamazepina5   até à cirurgia descompressiva12. Pode ocorrer, também, a remissão espontânea do Sinal, principalmente nos casos relacionados a traumatismos de crânio e/ou cervicais4 . 

Conclusão:

É poucas vezes citado em lesões de coluna torácica, não havendo destaque para sua ocorrência na infância. Justifica-se assim o relato de sua presença em menino de nove anos de idade com lesão de coluna torácica a nível de T11 – T12.

 

 

 

 

Bibliografia:

  1. Baldwin RN, Chadwick D. Lhermitte´s sign due to thoracic cord compression. J Neurol Neurosurg Psychiatry 49:7840-1, 1986.
  2. Brody JA, Wilkins RH. Lhermitte´s sign. Arch neurol 21; 3: 338-40, 1996.
  3. Butler WM, Taylor HG, Diehl LF. Lhermitte´s sign in cobalamin ( vitam B12) deficiency.          JAMA 13  245: 10 1059, 1981
  4. Chan RC, Stlinbok P. Delayed onset of Lhermitte´s sings following head and / or neck injuries – Report of four cases. J Neurosurg 60: 609-12, 1984.
  5. Ekbom K. Carbamazepine, a new symptomatic treatment for the paraesthesiae associated with Lermitte´s sign.  Z. Neurol. 200: 341-344, 1971
  6. Gautier-Smith PC. Lhermitte´s sing in subacute combined degeneration of the cord. J Neurol Neurosurg Psychiatry  36: 5 861-3, 1973.
  7. Gutrecht JA. Lhermitte´s  sign  from observation to eponym. Ach Neurol 46: 557-8, 1989.
  8. Gutrecht JA, Zamani AA, Slagado ED. Anatomic radiologic bases of Lhermitte´s sign in multiple sclerosis. Arch Neurol 50:849-51,  1993.
  9. Horinouchi H, Inobe J, Mori T, Kumamoto T, Tsuda T. A case of atopic myelitis. Abstract. Rinsho Shinkeigaku 40:218-21,  2000.
  10. Kanchandani R, Howe JG. Lermitte´s sign in multiple sclerosis: a clinical survey and review of the literature. Abstract.  J Neurol Neurosurg Psychiatry 45: 308-12, 1982.
  11.  Lhermitte J, Bollak,  Nicholas M. Pain resembling an electrical discharge following cephalic flexion in focal sclerosis. A case of the sensitive form of multiple sclerosis. Abstract. Arch Neurol 21,  1969.
  12. Liveson JA,  Fimmer AE. A localizing symptom  in thoracic myelopathy. A variation of Lermitte´s sign. Ann Intern Med  76: 5  769-71, 1972.
  13. Martin D. Lhermitte´s sign and cobalamin deficiency.  JAMA  1982 1 247: 1 28, 1982.
  14. Merriam WF, Taylor TK, Ruff SJ, McPlail MJ. A reappraisal of acute traumatic central cord syndrome.  J Bone Joint Surg Br  68:708-13, 1996.
  15.  Morata JLG, Jimenes FU, Ampuero JA.  Garcia FM. Lhermitte´s sign  in pernicious anemia.  Rev Clin Esp  31 169: 4263 – 4, 1983.
  16. Newton HB, Rea GL Lhermitte´s sign as a presenting  symptom of primary spinal cord tumor. Abstract.  J neurooncol 29: 183-8, Aug 1996.
  17. Nordin M, Nyström B, Wallin U, Hagbarth K E. Ectopic sensory Discharges and Paresthesiae im patients with disorders of peripheral nerves, Dorsal Rootes and Dorsal Columns. Pain, 1984 20: 231-245, 1984.
  18. Porta-Etessam J, Martinez-Salio A, Balsalobre-Aznar J, Esteban J, Benito-León J, Ruiz. Lhermitte´s sign in three oncological patients.Abstract. J Rev Neurol  1-15 30: 649-51, 2000.
  19. Rossitti SL, Balbo RJ. Sinal de Lhermitte´s durante punção cervical lateral. Arq Neuro-Psiquiat  (São Paulo) 48(3): 341-347, 1980.
  20. Sandy R, Brennan JW. Lhermitte´s sign as a presenting symptom of subacute combined degeneration of the cord. Ann Neurol 13: 2  215-6, 1983.
  21. Sanvito WL Sinais Meningorradiculares (Reações musculares Patológicas) in: Propedêutica Neurologica Básica Ed. Atheneu,  pag 66,  São Paulo 2000.

 

 

Autor

Dra Kellen Ribeiro Silva

Dra Kellen Ribeiro Silva

Neurologia Pediátrica

Especialização em neuropediatria no(a) FMB - UNESP.